Os 40 anos do golpe militar argentino

Enquanto no Brasil há malucos pedindo “intervenção militar” nos cartazes das cada vez mais frequentes manifestações políticas, na Argentina a ditadura é uma ferida aberta que ainda não cicatrizou totalmente. E nem deve. Porque, enquanto estiver viva na memória de todos, ninguém permitirá que volte a acontecer.

Os 40 anos do golpe militar argentino

marcha

No dia 24 de março de 1976, uma junta militar encabeçada pelo general Jorge Rafael Videla derrubava o governo de Isabelita Perón e instaurava um regime ditatorial que duraria sete anos, resultando em pelo menos 30 mil vítimas.

Nessa quinta-feira, a data completa 40 anos, e haverá uma grande comoção nacional em torno deste aniversário. Quem estiver na cidade neste dia 24, batizado de Dia Nacional da Memória pela Verdade e Justiça, poderá aproveitar para entender o que foi essa mancha vergonhosa na história do país.

Uma curiosidade é que, neste mesmo 24 de março, só que em 1986, a Argentina ganhava um Oscar com o filme A História Oficial, que justamente contava o esquema de sequestros de bebês filhos de presos políticos. Dirigido por Luis Puenzo e estrelado por uma ainda jovem Norma Aleandro, a primeira produção latino-americana a levar a estatueta de melhor filme estrangeiro volta às salas de cinema de Buenos Aires com imagem restaurada em 4k, som estéreo 5.1 e novas cópias digitais remasterizadas. A reestreia será nesta quinta-feira em várias salas da capital. Dá pra ver o trailer aqui. (Na verdade, o filme inteiro está disponível no Youtube.)

40 anos golpe militarOutra atração cultural que evoca a data é a exposição De vuelta en casa, de Rubén Sosa, em cartaz na Biblioteca Nacional. Sosa foi um desenhista e quadrinista argentino que, um ano antes do golpe, deixou o país para viver na Itália e nunca mais voltou. Sua obra esteve inédita por aqui até hoje, mas na Europa foi recebida com entusiasmo por gênios como o francês Georges Wolinksi, da revista de humor Charlie Hebdo. Os HQs Un hombre normal e Tigres de Papier podem ser vistos nas paredes da Plaza del Lector Rayuela (do lado de fora da Biblioteca) e na sala Leopoldo Lugones. A Biblioteca fica na Aguëro, 2502, na Recoleta, e abre de segunda a sexta das 9h à meia-noite (isso mesmo, meia-noite, você leu direito!). Aos sábados, a partir das 12h e aos domingos até as 19h. Mais infos, aqui.

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Plaza del Lector Rayuela, em frente à Biblioteca.

Um lugar que merece uma visita, e mais especialmente nesta data, é o Parque de la Memoria, inaugurado em 2001 na costaneira norte de Buenos Aires. O memorial contrasta a placidez do Rio da Prata com o horror da ditadura. Além de um espaço de exposições e de diversas placas informando sobre este período obscuro da história do país, é impressionante o monumento construído ali, em memória às vítimas de terrorismo do Estado. São 30 mil placas de concreto, grande parte delas lembrando os nomes em ordem alfabética dos detidos/desaparecidos e/ou assassinados entre 1969 e 1983 pelo governo da época, com base nos boletins da CONADEP (Comisión Nacional sobre Desaparición de Personas). É chocante ver ali a idade de algumas das vítimas, com apenas 15, 16 anos, e também ver que havia muitas mulheres grávidas. Dentro do rio, uma escultura da artista Claudia Fontes reproduz a figura de Pablo Míguez, desaparecido aos 14 anos de idade. O Parque fica na Av. Costanera Norte Rafael Obligado, 6745, e abre diariamente de 10h a 18h para visitação.

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Parque de la Memoria. Foto: AAJ Press

Também transformado em lugar de reflexão sobre a ditadura cívico-militar, a antiga ESMA, hoje Centro Cultural de la Memoria Haroldo Conti, é outro lugar que vale a visita. O edifício foi sede da Escuela de Mecánica de la Armada, onde funcionou um dos mais emblemáticos centros clandestinos de detenção, tortura e extermínio, que chegou a receber cerca de cinco mil pessoas – destas, apenas 200 sobreviveram. O nome do espaço, inaugurado em 2008, faz referência ao escritor Haroldo Conti, nascido em 1925, desaparecido no dia 4 de maio de 1976 e até hoje nunca encontrado. É bastante simbólico que um antigo lugar de morte e reclusão seja hoje aberto à comunidade e ocupado com arte, a melhor forma de iluminar a sociedade. Aqui, mais infos e a programação das atividades. O Centro Cultural Haroldo Conti fica na Av. del Libertador, 8151, no bairro de Nuñez, não muito longe do Parque de la Memoria.

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Ato em frente à ESMA, hoje sede do Centro Cultural Haroldo Conti. Foto: EFE.

Uma grande manifestação em memória do 40º aniversário do golpe genocida está prevista para sair às 14h do dia 24/03, do cruzamento da Avenida de Mayo e 9 de Julio para se concentrar na Plaza de Mayo. Outra marcha sai às 15h30 da porta do Congresso rumo ao mesmo lugar, a pirâmide da praça. Por que duas? Bem, porque uma é organizada pela associação das Madres de Plaza de Mayo, e a outra pela associação das Abuelas, que têm divergências entre si. Afinal de contas, a Argentina é um país cheio de complexidades.

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1 comentário em “Os 40 anos do golpe militar argentino”

  1. Sou leitora desse blog e achei este texto excelente e muito atual ! Parabéns

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