Há de haver alguma explicação razoável para a Argentina ser este celeiro de tão formidáveis artistas, seja na música, literatura, artes plásticas, cinema ou teatro. O fato é que poucos alcançaram a genialidade de Xul Solar, e chega a ser inadmissível que os brasileiros conheçam tão pouco sobre esta figura ímpar.
Uma forma de remediar nossa ignorância é visitar a Fundação Pan Klub Museu Xul Solar, instituição dedicada a preservar sua obra, com sede na casa onde o próprio artista morou, em Palermo.
Uma visita ao museu Xul Solar
Oscar Agustín Alejandro Schulz Solari nasceu no dia 14 de dezembro de 1887, sob o signo de sagitário com ascendente em peixes. E se recorro ao zodíaco não é à toa: Xul ganhava a vida como astrólogo (fez mais de 1.500 mapas astrais, incluindo o de seu amigo Jorge Luis Borges ) e era um grande estudioso do assunto, o que fica evidente em muitas de suas aquarelas. Aliás, seu nome artístico não podia ser mais adequado: lido ao contrário, Xul significa “luz” em grego. Luz solar.
Filho de mãe italiana e pai nascido na Letônia, foi autodidata em quase tudo a que se dedicou, da pintura à música, da astrologia ao esoterismo, da carpintaria à linguística. Não bastasse ser um dos artistas plásticos mais importantes da Argentina, Xul também foi inventor e lingüista. E o museu, além de expor 84 quadros de sua autoria, também mostra algumas de suas invenções, como um teclado com equivalência entre cores e vibrações sonoras e um jogo de “Pan Xadrez”, cujas regras envolvem notas musicais e símbolos planetários. Sem contar os dois idiomas que criou, o Neocriollo (mescla entre português, espanhol, inglês, latim e alemão) e a Panlengua (com raiz na astrologia e na numerologia). Não que fosse possível compreendê-los. Pensando nisso, Xul chegou certa vez a divulgar seu número de telefone para quem quisesse consultá-lo e tirar dúvidas sobre as duas línguas.
Nas artes plásticas, desenvolveu uma obra com forte influência do primitivismo e das vanguardas europeias do início do século 20 (leia-se expressionismo, cubismo e surrealismo), embora seu trabalho seja impossível de se etiquetar. Muitas vezes foi comparado com Kandinsky e Paul Klee, o que faz todo sentido, já que os três relacionavam arte e espiritualidade. No caso de Xul, escadas e rampas eram símbolos recorrentes em suas telas, que remetiam a uma suposta “ascensão” ao plano espiritual. O próprio imóvel onde está o museu é cheio de escadas, quinas e ângulos pontudos, como quem busca “elevação”. (Talvez por isso os organizadores do museu tenham achado uma boa ideia queimar incensos e deixar rolando um CD da Enya ao fundo. Sei lá.)
Xul era um místico e um esotérico. Seus interesses iam da cabala hebraica ao tarô, passando pelo I-Ching e a meditação transcendental. Diz-se que pintava as visões que tinha enquanto meditava, e como só pintava o que “via”, não estaria errado classificar sua obra de “realista” – teoria que serve apenas para ilustrar seu humor irônico e inteligente.
Não surpreende que uma figura como Xul tivesse Jorge Luis Borges em seu círculo mais íntimo de amizades. Aliás, o célebre escritor e bibliotecário dizia que Xul era dono de uma das bibliotecas mais impressionantes que conheceu, com cerca de 3.400 livros que iam de Jung a Yin-Yang. O acervo é rigorosamente conservado pela Fundação Pan Klub, mas é uma pena não estar aberto ao público. No livro “Borges recuerda a Xul Solar“, à venda no museu, é possível ler os escritos do mestre das letras argentinas sobre este gênio da pintura e de assuntos aleatórios.
Xul morreu em 1963. Anos depois, sua viúva Micaela Cadenas e seu marchand Natalio Povarché decidiram fundar o Pan Klub (“Pan”, do grego: todo, inteiro, unidade), baseado num conceito criado pelo artista na década de 1930. Politicamente, Xul era um universalista. Aliás, a bandeira do cooperativismo internacional (aquela colorida, também usada pelo movimento LGBT e pelos povos originários da América) aparece em muitas de suas obras. Assim como as bandeiras de países latino-americanos.
O museu foi inaugurado em 1993 e conta com uma mostra permanente de obras de Xul, selecionadas pelo próprio, assim como esculturas, documentos, textos e outros itens de seu acervo pessoal. A senhora responsável pela visita guiada é profunda conhecedora do trabalho de Xul, vale a pena chegar a tempo para fazer o tour (às terças e quintas às 16h e, aos sábados, 15h30). O valor da entrada é $30.
Museu Xul Solar
Laprida, 1212
Horários: de terça a sexta de 12h às 20h, no sábado das 12h às 19h.
Site: http://www.xulsolar.org.ar/
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Sou jornalista e tradutora brasileira, e há doze anos visito regularmente Buenos Aires. Em agosto de 2015 vim pra cá de mala e cuia para passar uma longa temporada. Livros, cinema e cultura em geral são meus assuntos preferidos. Você pode acompanhar minhas andanças aqui no Aires Buenos e também no Medium.
Sabe me fizer se lá existe alguma lojinha com lembranças ou gravuras do artista?
Sim, Eliane, tem uma lojinha com gravuras e livros lá. (Lembracinhas não tenho certeza.) Suerte!
El mejor artículo sobre Xul de los últimos tiempos. Gracias Mariana y, una vez más, felicitaciones!
Maravilhoso o artigo.